A continuidade temporal jamais será quebrada por um ano, seja ele velho ou novo. 

Aos anos gosto de os deixar passar, como uma expiração profunda das entranhas que já sentiram outros tantos.

Um ano nunca será para mim uma meta, um objectivo ou um resultado a alcançar.

Eu serei sempre a meta a atingir.

Eu serei sempre o objectivo a concretizar.

Eu serei sempre o resultado a alcançar.

Numa tentativa, esperando sempre que nunca seja vã, de ser uma pessoa melhor.

Se conseguirmos ser pessoas melhores, o mundo será também ele melhor.

Para além de saúde, é sempre isso que desejo.

Não tanto ter, mas ser.

Ser mitológico, se sereia fosse, existiria apenas no imaginário das lendas marinhas, cantadas tristemente pelos pescadores que enfrentam os perigos do mar.

Mar e terra unidos em redes enfeitiçadas pelos meus cantos solitários de água cristalina.

Híbrida no meu ser, ave e mulher, de asas escondidas na lonjura dos meus cabelos revoltos.

Se a música define vidas, Capicua espraia-se em clave de sol ondulante pelo areal de notas fugidias que é a minha, palavra a palavra, de partidas e chegadas, de e para mim própria.

No dia em que as ouvi cantadas ao meu ouvido, chorei, mas tanto, tanto, que não pensei ser possível estar a viver já como sereia neste mar salgado.

Não é que a lágrima é da mesma água salgada.

Sereia Louca - Capicua

Foi nesse dia que nasceu este espaço aquático onde escrevo agora. Apesar de ter sido tornado público só agora, estava já desenhado na areia, sem que as ondas do mar o conseguissem jamais apagar.

Quando se viaja, viajamos também dentro de nós próprios.

Uma viagem dentro de uma viagem.

Uma escada descendente ou ascendente, conforme o querer ou o não querer.

Sem mapa ou com o caminho bem traçado a lápis.

Na escuridão ou em plena luz do sol.

Por terra ou por mar.

Partir e sempre chegando.