Gente insatisfeita que não vive de palmas
A maior parte destas pessoas são invisíveis para os demais, precários e sem reconhecimento social, mas têm sido eles a tornar a vida social possível. Eles só sobrevivem indo trabalhar e os demais só podem estar em casa se assim acontecer.
De repente, o mundo virou-se. Eliminamos o supérfluo e vimos que a economia real é a forma pela qual nos cuidamos. As actividades precarizadas tornaram-se vitais, apesar das condições em que operam tantas dessas pessoas, lutando por elas e pelos outros, enquanto nos interrogamos sobre o que fazem tantos administradores, accionistas, gestores, consultores ou especuladores, alojados nas suas segundas casas.
O problema não é a falta de recursos. É um modelo socio-económico incapaz de diminuir as desigualdades e desbloquear a concentração de riqueza. A ironia é que os que foram essenciais ao nosso estilo de vida, essa réstia de trabalho humano fundamental, são os mais expostos à contaminação, sendo que se acabassem por se retirar de circulação o sistema acabaria por claudicar.
E, apesar de tudo, o camaleónico capitalismo não irá soçobrar. Olhe-se para a publicidade. Há dois meses apontava ao desejo individualista: “Tu és o máximo! Compra este telemóvel e vais chegar ao topo do mundo.” Agora é ao coração colectivo: “Todos juntos vamos conseguir!” Adapta-se bem, mas dificilmente não haverá mudanças profundas. A não ser que as pessoas mais empobrecidas, tal como os sectores médios que já só conseguem sobreviver, e que são a larga maioria da população, se contentem com palmas. E não com segurança, direitos e melhores salários.
Vítor Belanciano in Gente insatisfeita que não vive de palmas