Definir-me é um exercício em que sempre falho e em que já nem ouso a mera tentativa.

Confesso que só os corajosos arriscam ser meus amigos e só essa coragem ousada é capaz de arriscar uma definição de quem sou.

Percebi-o numa conversa que não era sobre mim, quando retoricamente me perguntam: - Tu nunca desistes, pois não?

Deveria responder que todos os dias quero desistir, mas nunca o chego a fazer. Porém, isso implicaria explicações aprofundadas e entediantes sobre a minha experiência como ser humano, o que levaria muito tempo.

Respondi simplesmente: -Não.

Toda a gente gosta de opinar, mas poucos gostam de pensar.

~Schopenhauer~

Quanto mais se racionaliza o mundo mais absurdo ele fica e deste absurdo nasce a necessidade de acreditarmos no inacreditável, seja ele divino ou outro. Só um absurdo cura outro absurdo.

— Quando estiveste lá em África experimentaste liamba? Dizem que aquilo ajuda a não ter medo quando se vai para a frente.

— Nunca confiei em quem não tem medo.

— Em algumas ocasiões... Quantos não vêm de lá cheios de problemas nervosos?

— E os corajosos vêm deitados. Conheces o poema Receita para fazer um Herói?

— Não.

— Diz assim: Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.
Serve-se morto.

Reinaldo Ferreira

in Glória